segunda-feira, 13 de julho de 2009

Cadeias musculares e articulares. O método de Godelieve Denys-Struyf

Desde tempos arcaicos, nomeadamente desde os tempos da pólis grega, registou-se sempre um esforço constante pelo estabelecimento de tipos corporais e temperamentais. A concepção de Hipócrates assentava na existência de “humores” fundamentais – de que falariam mais tarde os médicos de Molière –, os quais eram o sangue (tipo sanguíneo), a linfa (tipo linfático ou fleumático), a bílis (tipo bilioso ou colérico) e a bílis negra (tipo melancólico).
A morfologia viria a estabelecer-se como ciência apenas por volta dos finais do século XIX, pela mão de diversos nomes como o de Sigaud, Mac Auliffe, Pende e Viola. Mas os dois grandes senhores da ciência da tipologia morfológica viriam a ser Kretschmer e Sheldon. Do primeiro sai uma classificação resultante nos tipos pícnico (pequeno e cheio; expansivo, alegre e realista), leptosómico (alto e magro; reservado, frio e meditativo), atlético (impulsivo e colérico) e displásico (mal desenvolvido e/ou com anomalias; dono de sentimentos de inferioridade), enquanto que do segundo sai a clássica classificação tripartida de endomorfismo, ectomorfismo e mesomorfismo.
Aparte a óbvia limitação das citadas classificações, principalmente enquanto modelos teoréticos da personalidade, muitas das teorias supracitadas contribuíram para a edificação de uma forma de ver o corpo como estrutura indissociável da mente. Assim sendo, o conceito de morfopsicologia tem precisamente o seu sentido no facto de muitos dos nossos temperamentos estarem estritamente ligados a caracteres de índole física.

Cabe ter em conta que a postura corporal está dependente de um número incomensurável de factores, nomeadamente factores ósseos e hereditários, o equilíbrio das cadeias musculares, factores de ordem psiconeurológica, assim como certos traços de personalidade e características do self.
Qualquer tentativa de perceber, avaliar e/ou moldar a postura de um indivíduo passa pela necessária perspectivação multifactorial dessa mesma atitude postural. Uma visão redutora leva, portanto, a resultados terapêuticos insignificantes. E as visões redutoras são inúmeras: o modelo médico encara a postura como um conjunto de caracteres ósseos irredutíveis, o modelo da posturologia pensa fundamentalmente na sensação corporal ou proprioceptividade, o método Mézières e a Reeducação Postural Global pensam sobretudo no modelo do equilíbrio das cadeias musculares, e outros métodos, como o Pilates, delongam-se no trabalho muscular profundo.
Uma visão verdadeiramente holística da postura corporal passa pelo necessário conhecimento dos diversos modelos de intervenção. Para além disso, não pode esquecer o papel dos factores psicológicos ou, melhor dizendo, psicossomáticos.
Neste contexto, uma retratista e fisioterapeuta bastante desconhecida dos cânones terapêuticos e académicos nacionais foi especialmente previdente no sentido de compreender a postura nas suas múltiplas variantes. Esta fisioterapeuta não criou sequer um tipo específico de intervenção. O seu método é mais uma forma global de ver a postura. Refiro-me ao método de Godelieve Denys-Struyf (GDS).

Apesar de valorizar a unicidade própria da idiossincrasia postural de cada pessoa, Godelieve Denys-Struyf não deixou de conceber uma classificação de estruturas psico-corporais, à luz de uma teoria de arquétipos. Ela concebeu a existência de cinco estruturas, uma dupla, portanto seis estruturas posturais, as quais dependeriam da cadeia muscular mais solicitada (posturas PM, AM, PA-AP, AL e PL).

A postura PM (póstero-mediana) é, provavelmente, uma das mais modelares estruturas posturais patológicas. Nesta estrutura, o equilíbrio adoptado impele o corpo para a frente, sendo que é a actividade dos músculos posteriores que garante a sustentação da atitude. É observável em todas aquelas pessoas que aparentam possuir umas costas bem esticadas, uma lordose geral facilmente verificável. É muito comum entre os atletas e os instrutores de fitness, os quais chegam a pensar que esta é uma postura louvável. Esta postura pode resultar de uma motivação e de uma escolha, sendo característica das pessoas que desejam possuir um grande controlo sobre a sua vida e a dos outros; é, no fundo, uma postura de combate defensivo, que favorece a ideação e a acção. O seu tratamento depende muito mais do que a inibição do seu padrão neuromuscular característico; eventualmente, na tentativa de contrariar a postura defensiva da pessoa, esta reage com ainda mais tensão, pois, no fundo, é a sua própria identidade que está em jogo. A solução parece estar na regularização das tensões, na modelagem. A musculação, algum Pilates e algum Yoga poderão agravar esta estrutura particular.

A postura AM (ântero-mediana) resulta da actividade dos grupos musculares anteriores, os quais garantem o suporte de um desequilíbrio para trás. Esta postura é extremamente característica, sendo que conjuga a hiperlordose lombar (excessivo arqueamento da coluna lombar) com uma compensatória hipercifose dorsal (inclinação anterior do tórax). As pessoas com a postura AM estruturada tendem a viver na espera, limitado o imprevisível. Se a postura é resultado de uma imposição, então ela releva de um problema de auto-estima, uma dificuldade na relação com o exterior, uma tendência ao fechamento e uma atitude de derrota. As opções terapêuticas variam consoante a natureza causativa da postura: a postura pode ser o resultado de uma “personalidade constitucional profunda e realizada”, pode resultar de uma “personalidade relacional ou de fachada” ou então pode ser o resultado de uma “personalidade adquirida mal vivida, em dificuldade”.
A dupla estrutura PA-AP (póstero-anterior – ântero-posterior) é aquela que mais se aproxima da estrutura de músculos profundos e anti-gravíticos, contribuindo, portanto, para a manutenção de determinado alinhamento vertebral e determinado padrão de achatamento articular. Esse achatamento é mínimo se existir um bom equilíbrio corporal. Por outro lado, se existir um fraco equilíbrio, criar-se-á um padrão específico de trabalho muscular profundo exagerado e desinibido, de modo a contrariar a tendência para a queda, criador de tensões e diminuidor da mobilidade articular. Uma atitude PA-AP não forçada, correcta, alinhada, rigorosa e, no entanto, flexível e agradável, constitui o padrão ideal, estando associado às personalidades mais flexíveis e assertivas. Em especial, a estrutura AP constitui uma espécie de estrela central de todas as outras estruturas, o eixo de todas as personalidades, representando uma personalidade lançada para a maturidade, para a liberdade responsável e consciente. A postura AP é aquela que precisa mais de ser preservada, pois é o padrão que permite a acção e a busca práxica da realização; é a estrutura que busca o devir, permitindo o confronto das forças depressivas da morte. A ginástica, o desporto em geral, a dança e as artes marciais, realizados num espírito lúdico e despreocupado, permitem o desabrochar da AP. Mas o seu desenvolvimento está também dependente do acolhimento da mãe AM, do apoio do pai PM e do suporte celestial PA.

Restam as estruturas secundárias AL (ântero-lateral) e PL (póstero-lateral), vistas nos planos frontal e horizontal (as cadeias mais dinâmicas e relacionais, semelhantes às cadeias cruzadas de Leopold Busquet). A primeira associa-se ao fechamento e à retracção, ao medo e à introversão. Já a segunda associa-se a um outro tipo de tensão, mais posterior, mas permite a abertura, a expansão e a extroversão (é este o tipo de cadeia que é mais trabalhada nas extensões, aberturas e torções do Yoga). Possivelmente, estas duas estruturas interagem no mesmo corpo; AL relacionada com a dominância do membro superior direito e PL relacionada com o apoio no membro inferior esquerdo (isto, claro, para os indivíduos destros). A dinâmica destas estruturas importa à compreensão de todas as assimetrias corporais, assim como das escolioses (desvio lateral da coluna vertebral).
Estas estruturas pertencem ao eixo horizontal, um eixo relacional, enquanto que as anteriores pertenciam ao eixo vertical da personalidade.

O trabalho global das “cadeias musculares e articulares” GDS impõe a sempre impartível relação do terapeuta com o doente e deste com o seu próprio corpo. O trabalho terapêutico deve partir da sempre necessária consciencialização da estrutura, de modo a perceber o seu dinamismo e a inverter alguns dos aspectos que caracterizam a sua patologia. E nunca devemos esquecer que todo o indivíduo é irredutível a uma tipologia, resultando o seu padrão postural e comportamental de uma combinação muito própria de elementos das diversas estruturas tratadas.

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